Há fatos na história da tecnologia que, quando descobertos, podem causar, pelo menos a alguns, desconforto e indignação. A perspectiva privilegiada da história enquanto observatório crítico das experiências humanas é sempre reveladora. Por meio de um exercício de interpretação do passado podemos pensar, discutir e tentar melhorar questões candentes do presente.
Em 27 de maio de 1887 o The New York Times publicava o artigo Horses die by hundreds. Quem vê título, não observa conteúdo. Os cavalos pouco aparecem na reportagem. O jornalista responsável preferiu descrever tecnicamente o incêndio que atingiu um prédio de três andares na Tenth Avenue, em Nova York. No local funcionava o estábulo de uma das maiores empresas de transporte de passageiros de Manhattan, a Central Park, East and North River Railroad Company.
O incêndio consumiu o prédio e quase tudo que nele existia: 145 veículos, 4 mil fardos de feno, 5 mil de palha, 12 mil sacas de grãos, arreios, maquinários e 1.185 cavalos. Apenas 45 foram salvos. Embora haja, nessa e nas matérias publicadas posteriormente pelo jornal, algumas menções ao sofrimento dos animais – relinchos, gritos e tropel dos cavalos encurralados – a cobertura jornalística focou a atenção no prejuízo econômico da empresa, nos prédios vizinhos que foram atingidos e que levaram à morte de um morador, e nas medidas tomadas para colocar em circulação novos veículos.
As maiores vítimas, os cavalos, são principalmente citados como um problema a ser resolvido pelas autoridades sanitárias. Durante dias as carcaças dos animais ficaram expostas no local. Inicialmente tentou-se destruí-las pelo fogo que restava do incêndio. Em seguida, como o odor era forte e os riscos de contaminação grandes, foram usados milhares de litros de desinfetante. Por fi m, o que restou dos animais foi jogado no rio Hudson. Desse último trabalho participaram 300 homens e 30 carroças.
Para aqueles que vivem nas megalópoles da atualidade, abarrotadas de automóveis, é difícil imaginar o que eram as grandes cidades do século 19, povoadas por milhares de animais. Pesquisas recentes sugerem que a tecnologia daquele período era totalmente atrelada à força animal. Os historiadores Clay McShane e Joel A. Tarr, no livro The Horse in the City (The Johns Hopkins University Press, 2007), afi rmam que em 1900, apenas em Manhattan, havia 130 mil cavalos na tração de veículos. Para trabalhos mais pesados, havia opções mais baratas. Na construção do metrô de Nova Iork foram empregados milhares de mulas. O único inconveniente visto pela construtora é que esses fortes animais morriam rapidamente ou ficavam cegos após semanas na total escuridão.
Artigo originalmente publicado na revista Scientific American Brasil 140, janeiro 2014.
Artigo Completo: Scientific American Brasil
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